segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Esu João Caveira

 O Esu João Caveira, é uma entidade da falange de Esu Caveira, uma linha de espíritos de esquerda que trabalha no campo astral e nos terreiros espalhados pelo mundo.
É uma das entidades encarregadas de guiar e encaminhar as almas de pessoas desencarnadas que vagam pelos cemitérios.
Sendo assim, é justamente devido a sua função, que João Caveira costuma ser representado por um homem carregando um crânio humano.
O Esu João Caveira é o encarregado de lembrar almas das condições humanas que as mesmas possuem, ou possuíam.
Sua incorporação geralmente tende a ser um pouco mais violenta, sendo uma apresentação mais séria, fechada e direta ao ponto.


.O Exu João Caveira contou uma de suas vidas passadas.

Disse que na Idade Média, foi um fiel conselheiro de um senhor feudal.
Criada uma situação no feudo de difícil solução, foi solicitada a sua opinião para decidir a questão.
Se decidisse de uma forma, agradaria todos os senhores, e de outra forma, faria justiça a todos os desafortunados moradores do lugar.
Para ganhar a simpatia do lado forte, decidiu pela primeira hipótese, mesmo contrariando a sua vontade, que em nenhum momento expressou.
Por causa disso, ganhou um carma enorme, que está resgatando nos terreiros.

Conta ele...

Fui aceito pelo divino trono e nomeado Exu a mais ou menos dois milênios, depois de minha última passagem pela terra, a qual fui um pecador miserável e desencarnei amarrado ao ódio, buscando a vingança, dando vazas ao meu egoísmo, vaidade  e todos os demais vícios humanos que se possa imaginar.

Fui senhor de um povoado onde habitava a beira do grande rio sagrado. Nossa aldeia cultuava a natureza e inocentemente fazia oferendas cruéis de animais e fetos humanos. Até que minha própria mulher engravidou e o sumo sacerdote, decidiu que a semente que crescia no ventre de minha amada, devia ser sacrificado, para acalmar o Deus da tempestade. Obviamente eu não permiti que tal infortúnio se abatesse sobre a minha futura família, até porque se tratava de meu primeiro filho. Mas, todo o meu esforço foi em vão. Em uma noite tempestuosa, os homens da aldeia reunidos, invadiram a minha tenda silenciosamente, roubaram minha mulher e a violentaram, provocando imediato aborto, e com o feto fizeram a inútil oferenda no poço dos sacrifícios. Meu peito se encheu de ódio e eu nada fiz para contê-lo. Simplesmente enquanto houve vida em mim, eu matei um a um dos algozes de minha esposa inclusive o tal sacerdote.

Passei a não crer mais em Deuses, pois o sacrifício foi inútil. Tanto que meu povoado sumiu da face da terra, soterrado pela areia, Tamanha foi a fúria da tempestade. De repente o que era rio virou areia e o que era areia virou rio. Mas meu ódio persistia. Em meus olhos havia sangue e tudo o que eu queria era sangue.

Sem perceber, estava sendo espiritualmente influenciado pelos homens que matei, que se organizaram em uma trevosa falange afim de me ver morto também. O sacerdote era o líder. Passei então a ser vítima do ódio que semeei.

Sem morada e sem rumo, mas com um tenebroso exército de homens odiosos, avançamos contra várias aldeias e povoados, aniquilando vidas inocentes e temerosamente assombrando todo o Egito antigo. Assim invadimos terras e mais terras, manchamos as sagradas águas do Nilo de sangue, bebíamos e nos entregávamos a todas as depravações com todas as mulheres que capturávamos. Foi uma aventura horrível. Quanto mais ódio eu tinha, mais eu queria ter. Se eu não poderia ter minha mulher, então que nenhum homem em parte alguma poderia ter.

Entreguei-me à outros homens, mas ao mesmo tempo violentava bruscamente as mulheres.

As crianças, lamentavelmente nós matávamos sem piedade. Nosso rastro, era de ódio e destruição completas. Até que chegamos aos palácios de um majestoso faraó, que também despertava muito ódio em alguns muito interessados em destruí-lo, pois os mesmos não concordavam com sua doutrina e religião. Eis que então fomos pagos para fazer o que tínhamos prazer em fazer, matar o faraó. Foi decretada então a minha morte. Os fiéis soldados do palácio, que eram muito numerosos, nos aniquilaram com a mesma impiedade que tínhamos para com os outros. Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Isto coube na medida exata para conosco. 

Parti para o inferno. Mas não falo do inferno aos quais as pessoas estão acostumadas a ouvir nas lesdas das religiões efêmeras que pregam por aí. O inferno ao qual me refiro é o inferno da própria consciência. Este sim é implacável. Vendo o meu corpo inerte, atingido pelo golpe de uma espada, e sangrando, não consegui compreender o que estava acontecendo. Mas o sangue que jorrava me fez recordar de todas as minhas atrocidades. Olhei todo o espaço ao meu redor, e, tudo o que vi foram pessoas mortas. Tudo se transformou de repente. Todos os espaços eram preenchidos com corpos imundos e fétidos, caveiras e mais caveiras se aproximavam e se afastavam. Naquele êxtase, caí derrotado. Não sei quanto tempo fiquei ali, inerte e chorando, vendo todo aquele horror.

Tudo era sangue, um fogo terrível ardia em mim e isso era ainda o mais cruel. Minha consciência se fechou em si mesma. O medo se apossou de mim, ja não era mais eu, mas sim o peso dos meus erros que me condenava. Nada eu podia fazer. As gargalhadas vinham de fora e atingiam os meus sentidos bem lá no fundo. O medo aumentava e eu chorava cada vez mais. Lá estava eu, absolutamente derrotado por mim mesmo, pelo meu ódio cada vez mais sem sentido. Onde estava o amor com que eu construí meu povoado? Onde estavam meus companheiros? Minha querida esposa? Todos me abandonaram. Nada mais havia a não ser choro e ranger de dentes. Reduzí-me a um verme, jogado nas trevas de minha própria consciência e somente quem tem a outorga para entrar nessa escuridão e quem pode avaliar o que estou dizendo, porque é indescritível. Recordar de tudo isso hoje, já não me traz mais dor alguma, pois muito eu aprendi deste episódio triste da minha vida espiritual. 

Por longos anos eu vaguei nessa imensidão escura, pisoteado pelos meus inimigos, até o fim das minhas forças. Já não havia mais suspiros, nem lágrimas, nem ódio, nem amor, enfim, nada que se pudesse sentir. Fui esgotado até a ultima gota de sangue, tornei-me um verme. E na minha condição de verme, eu consegui num último arroubo de minha vil consciência pedir socorro a alguém que pudesse me ajudar. Eis que, então, depois de muito clamar, surgiu alguém que veio a tirar-me dali, mesmo assim arrastado. Recordo-me que estava atado a um cavalo enorme e negro e o cavalheiro que o montava assemelhava-se à um guerreiro, não menos cruel do que eu fui. Depois de longa jornada, fui alojado sobre uma pedra. Ali me alimentaram e cuidaram de mim com um desvelo incompreensível. Será que ouviram meus apelos? Perguntava-me intimamente.

Sim claro, senão eu ainda estaria la naquele inferno, respondia-me a mim mesmo. Cale-se e aproveite o alvitre que vosso pai vos concedeu. - Disse uma voz vinda não sei de onde. O que eu não compreendi e como ele tinha me ouvido, já que eu não disse palavra alguma, apenas pensei, mas ele ouviu. Calei-me por completo.

Por longos e longos anos fiquei naquela pedra, semelhante a um leito, até que meu "corpo" se refez e pude levantar-me novamente. Apresentou-se então meu salvador. Um nobre cavaleiro, armado até os dentes. Carregava um enorme tridente cravejado de rubis flamejantes. Seu porte era enorme. Ele usava uma cartola, mas eu não consegui ver seu rosto.Não tente me olhar imbecil, o dia que te veres, verás a mim, por que aqui todos somos iguais.

Disse o homem em tom severo. Meu corpo tremia e eu não conseguia conter, minha voz não saia e eu olhava baixo, resignando-me perante suas ordens.

- Fui ordenado a conduzir-lhe e tenho-te como escravo. Deves me obedecer se não quiseres retornar aquele antro de loucos onde estavas. Siga minhas instruções com atenção e eu lhe darei trabalho e comida. Desobedeça e terá o castigo merecido.

- Posso saber o seu nome, nobre senhor?

- Por enquanto não, no tempo certo eu revelarei, agora cala-te, vamos ao nosso primeiro trabalho.

- Esta bem.

Segui o homem, ele a cavalo e eu corria atras dele, como um serviçal. Vagamos por aqueles lugares sujos e executamos varias tarefas juntos. Aprendi a manusear as armas, que me foram dadas depois de muito tempo. Aos poucos meu amor pela criação foi renascendo. As varias lições que me foram passadas me faziam perceber a importância daqueles trabalhos no astral inferior. Gradativamente fui galgando os degraus daquele mistério com fidelidade e carinho.

Ganhei a confiança de meu chefe e de seus superiores. Fui posto a prova e fui aprovado. Logo aprendi a volitar e plasmar as coisas que queria. Foram anos e anos de aprendizado. Não sei contar o tempo da terra, mas, asseguro que menos de cem anos não foram.

Foi então, que em uma assembléia repleta de homens iguais ao meu chefe, eu fui oficialmente nomeado Exu. Nela eu me apresentei ao senhor Omulu e ao divino trono, assumindo as responsabilidades que todo o Exu deve assumir se quiser ser Exu.

- Amor ao criador e às suas leis;

- Amor a criação do pai e a todas as suas criaturas;

- Fidelidade acima de tudo;

- Compreensão e estudo, para julgar com a devida sabedoria;

- Obedecer as regras do abaixo, assim como as do acima;

E algumas outras regras que não me foi permitido citar, dada a importância que elas tem para todos os Exus.

A principio trabalhei na falange de meu chefe, por gratidão e simpatia. Mas logo surgiu-me a necessidade de ter a minha própria falange, visto que os escravos que capturei já eram em grande número. Por esta mesma época, aquele antigo sacerdote, do meu povoado, lembram-se? Pois é, ele reencarnou em terras africanas e minha esposa deveria ser a esposa dele, para que a lei se cumprisse. Vendo o panorama do quadro que se formou, solicitei imediatamente uma audiência com o Divino Omulu, e com o senhor Ogum-Avagã para que eu pudesse ser o guardião do meu antigo algoz. Meu pedido foi atendido. Se eu fosse bem sucedido, poderia ter a minha falange. Assim assumi à esquerda do sacerdote, que, na aldeia em que nasceu, foi preparado desde menino para ser o Babalorixá em substituição ao seu pai de sangue. A filha do Babalao era minha ex esposa que estava prometida ao seu antigo algoz. Assim se desenvolveu a trama que pôs fim as nossas diferenças, minha ex mulher deu a luz a vinte e quatro filhos e todos eles foram criados com o devido cuidado. Muito trabalho eu tive naquela aldeia. Até que as invasões, as capturas e o comércio de negros para o Ocidente se fizeram. Os trabalhos redobraram, pois tínhamos que conter toda a revolta e o ódio que emanava dos escravos africanos, presos aos porões dos navios negreiros.

Mas meu protegido, já estava velho e foi poupado, porém seus filhos não, todos foram escravizados. Mas era a lei e ela deveria ser cumprida.

Depois de muito tempo uma ordem veio do encima: Todos os guardiões devem se preparar, novos assentamentos serão necessários, uma nova Religião irá nascer, o que para nós era em breve, pois não sei se perceberam, mas o tempo espiritual e diferente do material. Preparamo-nos, conforme nos foi ordenado, até que a Umbanda foi inaugurada. Então eu fui nomeado Guardião à esquerda do Sagrado Omulu, e pude então assumir minha falange, meus graus e meus degraus. Novamente assumi a obrigação de conduzir meu antigo algoz, que hoje está no encima, feito meritóriamente alcançado, devido a todos os trabalhos e sacrifícios feitos em favor da Umbanda e do bem.

Hoje, aqui no embaixo, comando uma falange dos Exus Caveira, e somente após muitos e muitos anos eu pude ver minha face em um espelho, e pude ver que ela é igual do meu grande e querido tutor o Grande Senhor Exu Tata Caveira, a quem devo muito respeito e carinho. Não confundam o Exu João Caveira Com o Exu Tata Caveira, os trabalhos são semelhantes mas os mistérios são diferentes. Tata Caveira trabalha nos sete campos da fé. Exu João Caveira, trabalha nos mistérios da geração na calunga, porque é lá que a vida se transforma, dando lugar a geração de outras vidas. Onde há infidelidade e desrespeito para com a geração da vida ou aos seus semelhantes, Exu João Caveira atua, desvitalizando e conduzindo no caminho correto, para que não caiam nas presas doloridas e impiedosas, pois não desejo a ninguém um décimo do que passei. Se vossos atos forem bons e louváveis perante a geração e ao Pai Maior, então vitalizamos e damos forma a todos os desejos de qualquer um que queira usufruir dos benefícios dos meus mistérios. De qualquer maneira, o amor impera, sim, o amor, e porque Exu não pode falar de amor? Ora, se foi por amor que todo o Exu foi salvo, então o amor é bom e o respeito a ele conserva-nos no caminho. Este é o meu mistério. Em qualquer lugar da calunga, pratique com amor e respeito a sua Religião, pois Exu João Caveira abomina a traição e infidelidade, como, por exemplo, o aborto, isto não é tolerado por mim, e todos que praticam tal ato são então condenados a viver sob as hostes severas de meu mistério.

Peça o que quiser com fé, e com fé lhes trarei, pois todos os Exus Caveira são fiéis a seus médiuns e aqueles que nos procuram.

A falange dos Exus Caveira pertence ao Grande Tata Caveira, os demais não posso citar, falo apenas do meu mistério, pois dele eu tenho conhecimento e licença para abrir o que acho necessário e básico para o vosso aprendizado, quanto ao mais, busquem com vossos Exus pessoais, que são grandes amigos de seus filhos e certamente saberão orientar com carinho sobre vossas dúvidas. Mais a mais, se um Exu de minha falange consegue vencer através de seu médium ou protegido, ele automaticamente alcança o direito de sair do embaixo e galgar os degraus da evolução em outras esferas.


Laroyê Esu João Caveira!

terça-feira, 21 de março de 2023

Esu faz o primeiro Ogã

Uma das lendas diz que o primeiro Alagbe foi Exú.
Ele tocava e cantava para os outros Orixás poderem dançar, durante as suas reuniões. 
Entretanto, o toque de Exu era bem alto e estridente, impossibilitando os outros Orixás de conversarem. 
Um dia, eles se irritaram com Exú e o mandaram parar de tocar.
Algum tempo depois começaram a sentir falta dos ritmos de Exú para dançar. 
As reuniões estavam sem graça e desanimada. 
A festa de Exú estava fazendo muita falta. 
Foram então a procura de Exú para que ele voltasse a tocar seus ritmos maravilhosos. 
Entretanto, Exú sendo muito orgulhoso recusou-se, mas, compadecido, disse que ensinaria os ritmos e toques ao primeiro homem que encontrasse pelo seu caminho.
O primeiro homem que Exú encontrou chamava-se Ogã, e como prometido Exú ensinou todos os ritmos dos demais Orixás a ele.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Itan de Esu - Como ele se tornou o rei da encruzilhada

Esu ganhou o direito de ser o primeiro a ser homenageado e oferendado nas casas de asé, ao se aproximar de Oxalá e tornar-se seu ajudante.

Esu o grande senhor que demarca principalmente os territórios utilizados por nós em seus caminhos, ganhou poder sobre a encruzilhada. 
Esu não tinha riqueza, ão tinha profissão, nem missão. Por isso, Esu vagava pelo mundo sem rumo certo
Então, um dia, ele passou a frequentar a casa de Osalá, todos os dias. 
Lá, ele se distraía vendo o bom velhinho dando vida aos seres humanos.
Muitos também vinham visitar Osalá, mas ali ficavam pouco: 4 dias, 8 dias. Traziam oferendas, elogiavam o velho Orisá, apreciavam sua obra, mas partiam sem nada aprender com Osalá. 
Esu, no entanto, ficou na casa de Osalá por 16 anos e, durante esse tempo, apenas observava. 
Esu prestava muita atenção na modelagem e aprendeu como Osalá fabricava cada parte do corpo dos homens e das mulheres, as mãos, os pés, a boca, os olhos, tudo. Esu aprendeu tudo, literalmente!

Um dia, Osalá tinha cada vez mais humanos para fazer e não queria perder tempo recolhendo os presentes que todos lhe ofereciam, então, ele disse a Esu para ir postar-se na encruzilhada por onde passavam os que vinham a sua casa, para ficar ali e não deixar passar quem não trouxesse uma oferenda. 
Osalá nem tinha tempo para as visitas. Esu tinha aprendido tudo e agora podia ajudar Osalá.
Esu coletava os ebós para Osalá, recebia as oferendas e as entregava. Esu fazia muito bem o seu trabalho e, assim Osalá então decidiu compensá-lo: assim, Osalá decidiu que todos os que viessem a sua casa, teriam de também de pagar alguma coisa a Esu. E, assim, Esu mantinha-se sempre a postos, guardando a casa de Osalá, armado de um ogó, um poderoso porrete, afastando os indesejáveis e punindo quem tentasse burlar sua vigilância.

Esu trabalhava demais e fez dali a sua casa, na encruzilhada. Ganhou uma rentável profissão, ganhou seu lugar, sua casa. Ficou rico e poderoso. Desde então, ninguém pôde mais passar por uma encruzilhada sem pagar alguma coisa a Esu
.