domingo, 4 de agosto de 2019

Lendas Africanas - Osalufan

Êpa Baba!
Oxalufã era o rei de Ilu-ayê, a terra dos ancestrais, na longínqua África.
Ele estava muito velho, curvado pela idade e andava com dificuldade, apoiado num grande
cajado, chamado opaxorô.
Um dia, Oxalufã decidiu viajar em visita a.seu velho amigo Xangô, rei de Oyó.
Antes de partir, Oxalufã consultou um babalaô, o adivinho, perguntando-lhe se tudo ia correr
bem e se a viagem seria feliz.
O babalaô respondeu-lhe:
"Não faça esta viagem!
Ela será cheia de incidentes desagradáveis e acabará mal."
Mas, Oxalufã tinha um temperamento obstinado, quando fazia um projeto, nunca renunciava.
Disse, então, ao babalaô:
"Decidi fazer esta viagem e eu a farei, aconteça o que acontecer!"
Oxalufa perguntou ainda ao babalaô, se oferendas e sacrifícios melhorariam as coisas.
Este respondeu-lhe:
"Qualquer que sejam suas oferendas, a viagem será desastrosa."
E fez ainda algumas recomendações:
"Se você não quiser perder a vida durante a viagem, deverá aceitar fazer tudo que lhe
pedirem.
Você não deverá queixar-se das tristes conseqüências que advirão.
Será necessário que você leve três panos brancos.
Será necessário que você leve, também, sabão e limo da costa."
Oxalufã partiu, então, lentamente, apoiado no seu opaxorô.
Ao cabo de algum tempo, ele encontra Exu Elepô, Exu "dono do azeite de dendê". Exu estava
sentado à beira da estrada, com um grande pote cheio de dendê.
"Ah! Bom dia Oxalufã, como vai a família?"
"Oh! Bom dia Exu Elepô, como vai também a sua?"
"Ah! Oxalufã, ajude-me a colocar este pote no ombro."
"Sim, Exu, sim, sim, com prazer e logo."
Mas, de repente, Exu Elepô virou o pote sobre Oxalufã.
Oxalufã, seguindo os conselhos do babalaô, ficou calmo e nada reclamou.
Foi limpar-se no rio mais próximo.

Passou o limo da costa sobre o corpo e vestiu-se com um novo pano; aquele que usava ficou
perto do rio, como oferenda.
Oxalufã retomou a estrada, andando com lentidão, apoiado no seu opaxorô. Duas vezes mais
ele encontrou-se com Exu.
Uma vez, com Exu Onidú, Exu "dono do carvão";
Outra vez, com ExuAladi, Exu "dono do óleo do caroço de dendê".
Duas vezes mais, Oxalufã foi vítima das armadilhas de Exu, ambas semelhantes à primeira.
Duas vezes mais, Oxalufã sujeitou-se às conseqüências.
Exu divertiu-se às custas dele,
sem que, contudo, conseguisse tirar-lhe a calma.
Oxalufã trocou, assim, seus últimos panos,
deixando na margem do rio os que usava, como oferendas.
E continuou corajosamente seu caminho, apoiado em seu opaxorô, até que passou a fronteira
do reino de seu amigo Xangô.
Kawo Kabiyesi, Sango, Alafin Oyó, Alayeluwa!
"Saudemos Xangô, Senhor do Palácio de Oyó, Senhor dó Mundo!"
Logo, Oxalufã avistou um cavalo perdido que pertencia a Xangô.
Ele conhecia o animal, pois havia sido ele que, há tempo, lho oferecera. Oxalufa tentou
amansar o cavalo, mostrando-lhe uma espiga de milho, para amarrá-lo e devolvê-lo a Xangô.
Neste instante, chegaram correndo os empregados do palácio.
Eles estavam perseguindo o animal e gritaram:
"Olhem o ladrão de cavalo!
Miserável, imprestável, amigo do bem alheio!
Como os tempos mudaram; roubar com esta idade!!
Não há mais anciãos respeitáveis! Quem diria? Quem acreditaria?"
Caíram todos sobre Oxalufã, cobrindo-o de pancadas.
Eles o agarraram e arrastaram até a prisão.
Oxalufã, lembrando-se das recomendações do babalaô, permaneceu quieto e nada disse.
Ele não podia vingar-se.
Usou então dos seus poderes, do fundo da prisão.
Não choveu mais, a colheita estava comprometida, o gado dizimado; as mulheres estéreis, as
pessoas eram vitimadas por doenças terríveis. Durante sete anos o reino de Xangô foi
devastado.
Xangô, por sua vez, consultou um babalaô, para saber a razão de toda aquela desgraça.
"Kabiyesi Xangô, respondeu-lhe o babalaô, tudo isto é conseqüência de um ato lastimável.
Um velho sofre injustamente, preso há sete anos.
Ele nunca se queixou, mas não pense no entanto ...
Eis a fonte de todas as desgraças!"
Xangô fez vir diante dele o tal ancião.
"Ah! Mas vejam só!"- gritou Xangô.
"É você, Oxalufã! Êpa Baba! Exê ê!
Absurdo! É inacreditável, vergonhoso, imperdoável!!!
Ah! Você Oxalufa, na prisão! Êpa Baba!!
Não posso acreditar e, ainda por cima, preso por meus próprios empregados! Hei! Todo
vocês!
Meus generais!
Meus cavaleiros, meus eunucos, meus músicos!
Meus mensageiros e chefes de cavalaria!
Meus caçadores!
Minhas mulheres, as yabás!
Hei! Povo de Oyó!
Todos e todas, vesti-vos de branco em respeito ao rei que veste branco! Todos e todas,
guardai o silêncio em sinal de arrependimento!
Todos e todas, vão buscar água no rio!
É preciso lavar Oxalufã!
Êpa Baba! Êpa, Êpa!
É preciso que ele no perdoe a ofensa que lhe foi feita!!"
Este episódio da vida de Oxalufã é comemorado, a cada ano, em todos os terreiros de
candomblé da Bahia, no dia das "Águas de Oxalá" quando todo mundo veste-se de branco e
vai buscar água em silêncio, para lavar os axés, objetos sagrados de Oxalá.
Também, com a mesma intenção, todos os anos, numa quinta-feira, uma multidão lava o chão
da basílica dedicada ao Senhor do Bonfim que, para os descendentes de africanos dos outro
tempos e seus descendentes de hoje, é Oxalufã.
Epa, Epa Baba!!!



Lendas retiradas do livro: LENDAS AFRICANAS DOS ORIXAS de PIERRE FATUMBI VERGER

Lendas Africanas - Osaguian

Exê êêê!
Oxaguiã era o filho de Oxalufã.
Ele nasceu em Ifé, bem antes de seu pai tomar-se o rei de Ifan.
Oxaguiã, valente guerreiro, desejou, por sua vez, conquistar um reino.
Partiu, acompanhado de seu amigo Awoledjê.
Oxaguiã não tinha ainda este nome.
Chegou num lugar chamado Ejigbô e aí tomou-se Elejigbô - "Rei de Ejigbô". Oxaguiã tinha
uma grande paixão por inhame pilado, comida que os iorubas chamam de iyan.
Elejigbô comia deste iyan a todo momento; comia de manhã, ao meio-dia e depois da sesta;
comia no jantar e, até mesmo, durante a noite, se sentisse vazio seu estômago!
Ele recusava qualquer outra comida, era sempre iyan que devia ser-lhe servido. Chegou ao
ponto de inventar o pilão, para que fosse preparado seu prato predileto! Impressionados pela
sua mania, os outros orixás deram-lhe um apelido:
Oxaguiã, que significa "Orixá-comedor-de-inhame-pilado", e assim passou a ser chamado.
Awoledjê, seu companheiro, era babalaô,
um grande adivinho, que o aconselhava no que devia ou não fazer.
Certa ocasião, Awoledjê aconselhou Oxaguiã a oferecer:
dois ratos de tamanho médio;
dois peixes, que nadassem majestosamente;
duas galinhas, cujos fígados fosses bem grandes;
duas cabras, cujo leite fosse abundante;
duas cestas de caramujos e muitos panos brancos.
Disse-lhe, ainda, que se ele seguisse seus conselhos,
Ejigbô, que era então um pequeno vilarejo dentro da floresta, tomar-se-ia, muito em breve,
uma cidade grande e poderosa e povoada de muitos habitantes.
Depois disto, Awoledjê viajou para outros lugares.
Ejigbô tomou-se uma grande cidade, como previra Awoledjê.
Ela era cercada de muralhas com fossos profundos, as portas fortificadas e guardas armados
vigiavam suas entradas e saídas.
Havia um grande mercado, em frente ao palácio, que atraía, de muito longe, compradores e
vendedores de mercadorias e escravos.
Elejigbô vivia com pompa entre suas mulheres e seus servidores.
Músicos cantavam seus louvores.
Quando falava-se dele, não se usava jamais o seu nome, pois seria falta de respeito.
Era a expressão Kabiyesi, isto é, Sua Majestade, que deveria ser empregada.

Ao cabo de alguns anos, Awoledjê voltou.
Ele desconhecia ainda o novo esplendor de seu amigo.
Chegando diante dos guardas, na entrada do palácio,
Awoledjê pediu, com familiaridade, notícias do "Comedor-de-inhame-pilado". Chocados pela
insolência do forasteiro, os guardas gritaram:
"Que ultraje falar desta maneira de Kabiyesi!
Que impertinência! Que falta de respeito!"
E caíram sobre ele dando-lhe pauladas e cruelmente jogaram-no na cadeia. Awoledjê,
mortificado pelos maus tratos, decidiu vingar-se, utilizando sua magia. Durante sete anos a
chuva não caiu sobre Ejigbô,
as mulheres não tiveram mais filhos e os cavalos do rei não tinham pasto. Elejigbô,
desesperado, consultou um babalaô para remediar esta triste situação. Este respondeu-lhe:
"Kabiyesi, toda esta infelicidade é resultado da injusta prisão de um de meus confrades!
É preciso soltá-lo, Kabiyesi!
É preciso obter o seu perdão!"
Awoledjê foi solto e, cheio de ressentimento, foi-se esconder no fundo da mata.
Elejigbô, apesar de rei tão importante, precisou ir suplicar-lhe que esquecesse os maus tratos
sofridos e o perdoasse.
"Muito bem! - respondeu-lhe.
Eu permito que a chuva volte a cair, Oxaguiã, mas tem uma condição:
Cada ano, por ocasião da sua festa,
será necessário que você envie muita gente à floresta,
cortar trezentos feixes de varetas.
Os habitantes de Ejigbô, divididos em dois campos,
deverão golpear-se, uns aos outros,
até que estas varetas estejam gastas ou se quebrem".
Desde então, todo os anos, no fim da seca, os habitantes de dois bairros de Ejigbô, aqueles de
Ixalê Oxolô e aqueles de Okê Mapô, batem-se todo um dia, em sinal de contrição, e na
esperança de verem, novamente, a chuva cair.
A lembrança deste costume conservou-se através dos tempos e permanece viva também na
Bahia.
Por ocasião das cerimônias em louvor de Oxaguiã.
as pessoas batem-se umas nas outras, com leves golpes de vareta ...
e recebem, em seguida, uma porção de inhame pilado,
enquanto Oxaguiã vem dançar com energia, trazendo uma mão de pilão,
símbolo das preferências gastronômicas do orixá "Comedor-de-inhame-pilado".
Exê ê! Baba Exê ê!



Lendas retiradas do livro: LENDAS AFRICANAS DOS ORIXAS de PIERRE FATUMBI VERGER

Lendas Africanas - Disputa entre Nanã e Ogun


Nanã Buruku é uma velhíssima divindade das águas, vinda de muito longe e há muito tempo.
Ogum é um poderoso chefe guerreiro que anda sempre à frente dos outros Imalés.
Um dia, eles vão a uma reunião.
É a reunião dos duzentos Imalés da direita e dos quatrocentos Imalés da esquerda.
Eles discutem sobre os seus poderes.
Eles falam muito sobre Obatalá, aquele que criou os seres humanos.
Eles falam sobre Orunmilá, o senhor do destino dos homens.
Eles falam sobre Exu:
"Ah! É um importante mensageiro!"
Eles falam muita coisa a respeito de Ogum.
Ele dizem: "É graças a seus instrumentos que nós podemos viver. Declaramos que é o mais
importante entre nós!"
Nanã Buruku contesta, então:
"Não digam isto.
Que importância tem, então, os trabalhos que ele realiza?"
Os demais orixás respondem:
"É graças a seus instrumentos que trabalhamos pelo nosso alimento. É graças a seus
instrumentos que cultivamos os campos.
São eles que utilizamos para esquartejar os animais".

Nanã conclui que não renderá homenagem a Ogum.
"Por que não haverá um outro lmalé mais importante?"
Ogum diz:
"Ah! Ah! Considerando que todos os outros lmalés me rendem homenagem, me parece justo,
Nanã, que você também o faça".
N anã responde que não reconhece sua superioridade.
Ambos discutem por muito tempo.
Ogum perguntando:
"Você pretende que eu seja dispensável?"
Nanã garantindo que isto ela podia afirmar dez vezes.
Ogum diz então:
"Muito bem!
Você vai saber que sou indispensável para todas as coisas."
Nanã, por sua vez, declara que, a partir daquele dia,
ela não utilizará, absolutamente nada, fabricado por Ogum e,
ainda assim, poderá tudo realizar.
Ogum questiona:
"Como você o fará?
Você não sabe que sou o proprietário de todos os metais?
Estanho, chumbo, ferro, cobre. Eu os possuo todos."
Os filhos de Nanã eram caçadores.
Para matar um animal,
eles passaram a se servir de um pedaço de pau, afiado em forma de faca, para esquartejá-lo.
Os animais oferecidos a Nanã são mortos e decepados com instrumentos de madeira.
Não se pode utilizar faca de metal para cortar sua carne, por causa da disputa que, desde
aquele dia, opôs Ogum a Nanã.



Lendas retiradas do livro: LENDAS AFRICANAS DOS ORIXAS de PIERRE FATUMBI VERGER